Assim, enquanto não se restabelece o fluxo de produção normal da vacina, os cuidados deverão ser redobrados, e quaisquer sintomas novos, inexplicáveis e prolongados, deverão ser investigados por médico veterinário.
O contexto da Saúde Única
A leishmaniose visceral (LV), causada por L. infantum no Mediterâneo, Oriente Médio, Ásia Central, América do Sul e América Central, é uma doença que afeta entre 200.000 e 400.000 pessoas anualmente e causa cerca de 20.000 a 40.000 mortes por ano. Embora um número crescente de outros mamíferos hospedeiros, incluindo humanos infectados, se tornem reservatórios por infectar vetores flebotomíneos, os cães continuam a ser uma fonte indireta fundamental no ciclo de transmissão de L. infantum.
Ao longo dos anos, milhões de cães foram mortos como parte das políticas governamentais para controlar a LV humana causada por L. infantum, também conhecida como LV zoonótica . Na América Central e do Sul, o abate de cães tem sido recomendado e praticado em vários países, incluindo Argentina, Brasil, Colômbia, Uruguai e Venezuela. No entanto, essa prática tem sido substituída por abordagens mais eficazes.
Observou-se que em áreas da Ásia ( por ex. China), onde os regimes governamentais promoveram o abate maciço de todos os cães, em associação com o uso generalizado de DDT para controle de vetores, a incidência da doença diminuiu por muitos anos. No entanto se isso foi efeito da eliminação dos cães, ou o controle de vetores ou ambos, é difícil dizer.
Entretanto, nos últimos 20 anos, ocorreram muitas evidências científicas em todo o mundo e sob diferentes cenários ecológicos, que vem demonstrando o fracasso do abate canino como estratégia de controle, principalmente no Brasil.
De acordo com especialistas no assunto, algumas observações devem ser levadas em conta:
- Não há evidências científicas sobre a eficácia do abate de cães como meio de reduzia a incidência de LV.
2. Outros hospedeiros, em geral animais silvestres, mamíferos e aves, podem se transformar em reservatórios alternativos e desempenhar um papel na manutenção do ciclo de vida de L. infantum e isso deve ser levado em consideração nas estratégias de controle integrado.
3. Os cães eutanasiados são rapidamente substituídos por outros cães jovens que são frequentemente mais suscetíveis à infecção primária.
4. As ferramentas de diagnóstico sorológico frequentemente usadas para triagem de cães como parte de um programa de seleção, têm limitações em termos de sensibilidade e especificidade (por exemplo, reatividade cruzada com outros Leishmania spp ou outros microrganismos).
5. O abate de cães não é uma alternativa válida e econômica na perspectiva do governo e instituições ( por exemplo, deve ser levada em consideração o efeito da eliminação dos cães no estado emocional e estress de seus donos, e a obtenção de grandes quantidades de fármacos para eutanásia segura e humánitária). Particularmente em países em desenvolvimento, cujo panorama parece apontar um longo tempo até se ter condições válidas para a resolução do problema.
6. Finalmente, o controle efetivo da transmissão de L. infantum, requer abordagens integradas focando não apenas no cão como fonte indireta, mas também o parasita e, mais importante, o vetor flebotomíneo. Assim a prática do abate canino como estratégia para reduzia a incidência de LV em humanos, não pode ser justificado e não deve ser mais usado.
Concluindo, a leishmaniose visceral canina está presente na maioria dos países, e no Brasil observa-se um aumento nos últimos tempos, avançando para as áreas urbanas. Devem ser tomadas medidas de proteção e prevenção em relação aos homens e animais. O tratamento dos cães infectados hoje é possível, mas visando o controle dos sintomas e evitar que eles se tornam reservatórios infectantes. O tratamento deve ser acompanhado por médicos veterinários pelo resto da vida do animal, uma vez que a doença não tem cura, embora possa seja controlada. De qualquer maneira o melhor é que os animais não sejam infectados. E infelizmente animais não domiciliados ou aqueles em estado muito avançado da doença ainda precisarão ser eutanasiados, após serem avaliados e se verificar que são casos em que os animais estejam sofrendo muito e ainda por uma questão de Saúde Pública.
Material Consultado
AGÊNCIA BRASIL. Governo suspende oito lotes de vacina animal contra leishmaniose. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-05/governo-suspende-oito-lotes-de-vacina-animal-contra-leishmaniose.
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